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A fé que fez sentido pra mim

Não foi uma crise, foi um processo. Um esvaziamento silencioso da fé que eu conhecia, até que um dia percebi: eu já não acreditava mais naquele Deus. Mas também não conseguia abandoná-lo por completo. Havia algo dentro de mim que ainda buscava. Ainda chamava. Ainda esperava.

Cresci em uma família tradicional presbiteriana e, desde cedo, algo dentro de mim percebia uma desconexão entre o evangelho que lia nas Escrituras e a forma como ele era vivido nas igrejas. Mas eu não tinha ferramentas para questionar. Então, fui estudar teologia — acreditando que ali encontraria as respostas que buscava.

Encontrei, sim. Mas foram respostas que primeiro me desmontaram.

Descobri que existe um lado não mitológico da fé — uma dimensão simbólica e existencial que os teólogos conhecem, mas que raramente é compartilhada com as pessoas comuns. De repente, os mitos e imagens que sustentavam minha crença ruíram. Aquele Deus que me ensinaram a adorar desde a infância já não fazia mais sentido. Minha fé, que parecia firme, virou pó. E eu fiquei no deserto. Foram doze anos me identificando como ateísta. Mas nunca consegui abandonar por completo a sede de transcendência. Faltava alguma coisa. Faltava Deus — ainda que eu não soubesse mais como chamá-lo.

A virada começou quando parei de procurar respostas prontas e comecei a fazer as perguntas certas. Kierkegaard me ensinou que a fé não é uma certeza, mas um salto. Tillich me mostrou que Deus não é um ser entre outros, mas o fundamento do ser — aquilo que sustenta tudo o que é. A espiritualidade começou a se reconstruir dentro de mim, não mais como um sistema doutrinário, mas como um caminho de autoconhecimento, entrega e abertura para o mistério.

Hoje, a fé que faz sentido pra mim é o evangelho da expansão da consciência (metanoia) — não um simples arrependimento moral, mas uma mudança profunda de consciência. Uma expansão da mente e do coração. Um novo jeito de ver a mim mesma, os outros e a vida.

Ser cristã, pra mim, é me tornar cada vez mais um sinal visível daquilo que é invisível. É permitir que a vida de Cristo tome forma em mim. A salvação deixou de ser um bilhete para o céu e passou a ser esse processo diário de cristificação — de me parecer mais com Jesus na forma como amo, ajo, escuto e vivo.

O Reino de Deus chegou, sim — não como um evento espetacular no futuro, mas como uma possibilidade real de transformação aqui e agora. Sempre que escolho a paz em vez do conflito, o perdão em vez da vingança, a escuta em vez da acusação... o Reino acontece. Ele é um estado de consciência, uma forma de presença, uma vida plena em meio à vida comum.

E Deus? Deus se revelou a mim de um jeito totalmente novo. Hoje, Ele é Ehyeh-Asher-Ehyeh — “Eu Sou o que Sou” ou “Serei o que Serei”. Isso significa que Ele se manifesta conforme a necessidade de cada um. Não é um conceito fixo ou uma doutrina engessada. Ele é o que precisamos: graça, justiça, presença, silêncio, sopro. E é nessa fluidez que reencontrei a fé.

Não a fé de antes. Mas uma fé mais leve, mais consciente, mais viva. Uma fé que me reconcilia comigo mesma e com o mundo.

E você? Que tipo fé faria sentido pra sua história?


Débora Aquino 

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